terça-feira, 25 de setembro de 2007

O tempo não tem consideração


Santiago, o filme do João Moreira Salles, tem em seu personagem principal o fascinante Santiago Badariotti Merlo, mordomo da família Moreira Salles durante trinta anos. Mas é difícil dizer que o filme é sobre Santiago. Eu assisti um filme sobre a memória: a tentativa de um cineasta de recuperar um tempo e um personagem (ainda que à revelia do próprio, algumas vezes), assim como a maior riqueza do velho mordomo, que se assombra e congratula por ainda falar o idioma piemontês e por se lembrar de todas as óperas que ama.


Outros podem assistir um filme que retrata a incrível condição servil de um homem que não fez outra coisa na vida - profissionalmente, vamos ressaltar, já que a vida interior de Santiago é das mais ricas e diversas: escrevia poesia, dançava, conhecia música, tocava piano e castanholas, dedicou quase todo seu tempo livre a pesquisar e transcrever a história da nobreza no mundo. Dotado de uma cultura monumental, jamais questionou, no entanto, sua posição social, nem pretendeu ascender e pertencer à aristocracia que servia.


Ainda pode-se assistir Santiago como um brilhante exercício de roteiro, pois o diretor recriou este filme a partir de um material esquecido há quinze anos, entrevistas que fizera com o seu mordomo e que não resultaram no que ele pretendia, na época. Num reposicionamento de olhar, João Moreira Salles enxergou outro modo de apresentar sua história, colocando-se como personagem fundamental da narrativa, aquele que olha, aquele que (também) lembra. Ao final, quem é transformado pelo processo é o seu realizador. Santiago não é, neste sentido, o protagonista da história: ele - e a memória - são o agente transformador.


Já falei que gostei do filme?


sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Curtinha*.


- Ah, você faz música alternativa?
- Sim.
- De que tipo?
- Alternativa D.

*e grossinha...

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

it's about time! (ou: já não era sem tempo!)

O Grande Chefe, do Lars Von Trier, acaba sendo um filme muito interessante. Na real, é um filme muito incômodo de assistir, eu quase saí do cinema diversas vezes, entre incomodada e aborrecida.

Lars Von Trier já produziu marcos de crueldade, como Dançando no Escuro, Dogville, Europa, diz aí. Em "O Grande Chefe", no entanto, ele não escapa de ser cruel, mas a sua chave é o humor vindo do ridículo, do que a gente chama de "vergonha alheia". Então, como não poderia deixar de ser, é um filme incômodo.

Só que o roteiro é brilhante, excelente, ótimo. Os diálogos são excelentes. Qualquer bom diretor, com a mão leve, faria deste mesmíssimo roteiro, sem alterar qualquer linha, uma comédia estapafúrdia, daquelas que se vê várias vezes, rindo cada vez mais. Não é o caso. A opção do Von Trier é a de incomodar pelo riso nervoso, usando o tempo real (com uma edição sem truque nenhum, os cortes estalam na nossa cara) e a falta de graça e/ou carisma especial dos personagens como aliados.

O cara é um virtuose, sem dúvida, e já o provou em todos os seus filmes anteriores. Aliás, acho que o cinema do Von Trier é sempre um exercício virtuosístico da narrativa, depois vem a alma, se é que ele acredita nestas bobagens. Sabe lá como pensam estes nórdicos.

Saí do cinema um tanto aborrecida, como quase sempre saio dos filmes dele (mas continuo indo ver, pois é), pensando nas maravilhas que o Woody Allen faria com este mesmo roteiro.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Nós, os indignos e derrotados.

Renan no seu lugar
JANIO DE FREITAS - Folha de SP (hoje)

TODA INDIGNAÇÃO com a vitória dada a Renan Calheiros pode justificar-se como sentimento pessoal, mas a coerência com o país em que vivemos não está ao lado dessa reação. Está com os 40 votos favoráveis e as 6 abstenções não menos favoráveis à permanência do acusado(...) como presidente do Congresso Nacional.

O Senado, contra apenas 35 dos seus 81 integrantes, decidiu que Renan Calheiros deve continuar com seu mandato e seu alto posto institucional (...) .Não é preciso ir mais longe. (...)

Incoerente com o estado do país é a projeção do fervor cívico e de esperanças sobre decisões dos habitantes do pântano a respeito de si mesmos.

O partido do governo [foi] o fator decisivo para a permanência de Renan Calheiros, insisto, não só na presidência do Senado, mas como presidente do Congresso Nacional. (...) Os 40 votos contra a cassação e as 6 abstenções de igual propósito e efeito foram, não há dúvida, conscientes como atos pessoais e coerentes como atos políticos: Renan Calheiros é o homem certo no lugar certo.





Ah! Está na Folha On Line, agora: 43 deputados afirmam que votaram contra a permanencia de Renan na presidência do Congresso. Ué. Tem voto sobrando. Puxa vida, será que alguém está mentindo?

quarta-feira, 12 de setembro de 2007



Não fique confuso
muso de alguma obra-prima
pode ser tudo amor
à rima

Alice Ruiz

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

E o prêmio de Melhor Trocadilho da Semana vai para*...

...O Conde Anton Wolfgang von Faber-Castell, presidente, dono, herdeiro, etc, do império dos lápis Faber-Castell, em entrevista à revista VEJA:

"O lápis tem seu papel!"


(hein? hein?)



* Na verdade, o trocadilho - involuntário - é de responsabilidade do tradutor da entrevista, uma vez que o Conde disse isto em alemão (ou inglês, na melhor das hipóteses). Mas vai falar que não ficou bom?

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

dica para aliens e viajantes espaciais


A Terra está num de seus melhores momentos para a observação de fenômenos naturais de ordem catastrófica! O privilegiado visitante, por estes dias, poderá observar a ocorrência de tufões, terremotos, tsunamis* e até o famoso vulcão Etna em erupção!


Não recomendamos, no entanto, a permanência em solo, sendo aconselhável uma distância mínima da ação das forças naturais, até para contemplar melhor o conjunto.


* a programação é fornecida pelo boletim sísmico-metereológico; não nos responsabilizamos por alterações climáticas.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

bem-casados

Sábado para domingo. Quase três da manhã. Assisto - pela segunda ou terceira vez - a sexta temporada de Sex and the City no dvd, brigando com o sono, feito criança manhosa que reluta em ir pra cama. Modelo pijamão, óculos e meia furada no dedinho.

Ruído de chave na porta da frente. Marcel vem entrando de smoking, carregando a guitarra e o amplificador. Até aí, nada de assustador, a não ser as vozes que vêm atrás - eu disse vozes, no plural. O eco anasalado denuncia o idioma gringo. Marcel dá um sorriso amarelo e diz:

- Babe, tá todo mundo aqui.

E antes que eu consiga dizer "motherfucking cow", entram cinco pessoas de black tie na minha casa. Três caras e duas minas. Cogito brevemente a hipótese de vestir uma roupa, pentear o cabelo, sei lá, colocar as lentes de contato. Acabo deixando pra lá, afinal, eles devem estar loucos o suficiente para não se incomodar com uma mina de pijama no meio da festa deles.

Um dos caras, Tufus, um negão magrinho, parecido com o Eric Bené, de dread locks e tudo, abre o piano e começa a tocar animadamente. Chris, o baterista, outro negão, mais alto e mais estiloso (smoking, chapéu e lenço de bolinha na cabeça), sorri: "puxa, desculpe a invasão", ao mesmo tempo que batuca na tampa do piano. A Gwen, uma negra magra de 1,90, vestido vermelho e cabelos compridos, que dá até pra chamar de "velha conhecida" (já nos esbarramos várias vezes em Boston e aqui) está encantada com os gatos e fala sem parar no quanto sente falta do seu próprio gato, que deixou na casa da mãe para vir ao Brasil. Me abraça, alisa meu braço e diz "Ai, você está usando algodão, que inveja!" Ally, a outra mina, é bem novinha, tipo uns 20 anos. Tem o cabelo tricolor(loiro, branco e vermelho), pele muito branca, é rolicinha e usa um vestido verde-água. Não podia pensar em nada mais americano. Me abraça horrores (entorta meus óculos) e me chama de "my fellow berkleean". Nunca nos vimos antes. Ela olha os quadros da sala e adora todos. Conto que são do meu irmão e ela adora mais ainda. Parece que tenho três rádios ligados no volume máximo. Ou quatro, se contar o Marcel, que também está excitadíssimo e não pára de andar de um lado pro outro na sala, sem saber exatamente o que fazer com tanta gente tão animada, nem como me explicar 1) o que todo mundo veio fazer ali; 2) como ele pode ter esquecido de me trazer os bem-casados da festa onde tocavam, antes.

Jotinha, o outro brasileiro da banda, abre o case do contrabaixo e tira uns docinhos:

- Tó, pra você - me entrega dois embrulhinhos em cambraia azul e fita de veludo. Sorri pro Marcel, "Limpei tua barra", e explica - Minha mulher não deixa nem eu entrar em casa se esquecer os bem-casados, então eu peguei um monte.

- Alguém quer um café? - pergunto. Ninguém quer café e eu não sou louca de oferecer vinho ou vodca - Um suco?

Perto de quatro e meia da manhã estão todos com fome e o Marcel decide levá-los ao Joakin's. Ouço, de dentro de casa, a longa discussão sobre quem deve entrar primeiro no carro, até que eles partem. Agora vou dormir. Domingo vou pro trabalho às 13h.

Sonho que estou passeando de pijama no Shopping Morumbi.

ouvindo sem parar

O novo disco da Roberta Sá - "Que Belo Estranho Dia Pra Se Ter Alegria".
Lindo, fresco, feliz. Uma beleza. Que bom.