terça-feira, 30 de setembro de 2008

anedota (ou: uma história boa demais)

ilustração: Guilherme Dias

Então vamos contar a história assim:



M. e C.* têm um duo de jazz, do tipo sofisticado, que toca em lounges e bares onde as poltronas são de couro e as mesas, de carvalho . Outro dia, foram contratados para entreter musicalmente os clientes do Cafe Photo - para quem não sabe, um dos poucos puteiros remanescentes na cidade, após a lei Cidade Limpa, e o mais luxuoso de todos. Parece que o local tem três ambientes independentes, dois palcos- com show de pop e jazz - e o cachê era bom.

Sendo M. e C. heterossexuais, do sexo masculino, fizeram o favor de sair se gabando para todos os amigos que iam ganhar para passar a noite no Cafe Photo. Entra na história o nosso protagonista, J., amigo de ambos, heterossexual, do sexo masculino, que só sossegou quando conseguiu ir junto, na função de ... ah, sei lá, roadie da banda (nota: piano e sax acústicos).

A noite corria suave, com o jazz fluente, mulheres deslumbrantes deslizando pelo salão e a língua do nosso herói pendendo para fora da boca. J. não sabia mais para onde olhar. Depois de algum tempo perto do palco, bancando o importante, resolveu explorar o outro salão e subiu uma escada. Deparou-se com uma mulher magnífica, pernas fortes esculpidas em matéria dourada, ela toda, uma escultura. Os cabelos - longos, louros, soltos - só faziam destacar a pele perfeita do rosto imperial. Ela parou e o encarou. Ele ficou pasmo:

- Luciana?
- J.?!

Era a sua namorada. Há seis meses.

- Luciana?! - repetiu, assim que recuperou o fôlego - O que você está fazendo aqui?
- Eu? - ela nem piscou - Estou trabalhando. E você? O que é que você veio fazer aqui, hein, malandrão?


* os nomes foram omitidos e/ou alterados por motivos óóóóbvios

sábado, 27 de setembro de 2008

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Agora não falta mais nada



Seu Valdemar é um empreendedor com faro para os bons negócios: vende comidinhas - docinhos, sandubas e refris - na sala de espera da O2, a produtora de filmes.

Mesmo se o teste for só com atrizes (sempre de dieta), dá para tirar um dinheirinho certeiro. Afinal, é muito tempo esperando, sem fazer nada. Pelo menos um brigadeirinho para adoçar a boca...

Agora bom, mesmo, diz ele, é dia de teste com crianças.




No detalhe, reparem na poesia da coisa: seu Valdemar adaptou um estojo de maquiagem para acomodar os seus quitutes.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

O Brasil

Volta e meia tenho este privilégio de viajar pelo país a trabalho. Viajo menos do que eu gostaria, e o tempo é sempre muito curto, mas ainda assim, é um privilégio. O mero desembarque em outro aeroporto, onde os passageiros dividem a pista com os poucos aviões que taxeiam, já sinaliza um outro mundo. Algo intrigante no ar, o que é? Ah, é o ar! É limpo!

Desembarquei em Navegantes, desta vez, e rumei a Blumenau. Chegamos em Blumenau por volta de dez horas da manhã (depois do transfer de van) , me fechei no quarto do hotel e dormi até o meio dia.

Consegui dar uma volta na cidade antes da passagem de som. O lugar é lindo, fica num vale, tem um rio limpo e florestas em volta, tem pessoas educadas e orgulhosas da cidade. Sempre que eu pedia uma informação, me deparava com guias turísticos em potencial. E mais de uma pessoa me perguntou se eu falava alemão. Parece que ainda é um fator relevante por lá.

O hotel era muito antigo. Em bom estado, mas no estilo muito antigo. O café da manhã era do estilo ignorante - o que os habitantes do sul do país costumam chamar de "café colonial" e o que eu costumo chamar de "8000 calorias". O almoço e o jantar mantiveram a coerência calórica. Tudo irritantemente bom. Comi marreco recheado com maçã caramelada à uma da manhã (depois do show). Era o que havia de mais leve no cardápio.

As viagens com a banda acontecem em horários bizarros - os vôos às vezes saem de madrugada. Para ir a Blumenau, ontem, acordei às quatro da manhã, cheguei às cinco no aeroporto, peguei o avião às seis e meia (uma hora de vôo) e depois mais uma hora e pouco de van. Hoje às seis da manhã, pulamos novamente na van. Toca pro aeroporto, de volta pra Congonhas.

Nosso motorista local, Etienne, veio nos contando, com o maior orgulho, a história da Oktoberfest.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

no transito


São Paulo, oito da noite. Estancados sobre o Viaduto Santa Generosa, alguns motoristas já desligaram o motor do carro e ignoram as luzes do semáforo, que pisca inutilmente para uma serpente adormecida de veículos enfileirados. Um homem grisalho, de terno azul escuro, abaixa o seu vidro, apóia o cotovelo para fora da porta e começa a soprar uma gaita.

O som da harmônica silencia todos os outros. E o que estava parado ficou suspenso.

eu tenho uma dúvida




Anunciado para novembro o lançamento do filme 24 Horas que fará as vezes de 6a temporada, servindo como ponte para o 7o. longo dia de Jack Bauer, que estréia na tevê em janeiro. Oba.


Minha dúvida é: se a ação do filme ocorre em tempo real, como é na série, o título vai mudar para "2h"? Ou "120 minutos"?

terça-feira, 16 de setembro de 2008

até aqui, tudo bem

Filmagem no Jardim Botânico, às oito da manhã. Cheguei às dez. Não sou de aprontar destas, mas a produtora me deu a dica que eu poderia atrasar porque eles iriam montar o set às oito. Dica misericordiosa, aliás, já que hoje fez uns onze graus e precisei usar a minha incrível técnica de me auto-chutar da cama para conseguir levantar (Faço um pêndulo com uma das pernas e chuto a outra para fora do colchão. Com o desequilíbrio, eu fico em pé. Coisas que aprendi ao longo de anos de trabalho ora varando a madrugada, ora gravando logo cedo, para aproveitar a luz) .

Fui de metrô até onde dava, depois peguei um táxi que chegou rápido ao Jardim Botânico, mas rodou 8 reais comigo lá dentro, até encontrarmos a equipe de filmagem. Set montado, tudo muito pronto, eu já cheguei maquiada e vestida, começamos a rodar.

Às vezes passava um avião - bem, quase sempre passava um avião - e tínhamos que interromper. Mas, de resto, a filmagem durou três horinhas, o diretor era uma simpatia e toda a equipe estava de bom-humor. Tinha uma criança no elenco, que tinha que contracenar comigo e com outro ator, e ela era educada e gentil.

Ou seja, é possível. É possível!

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Memórias

Na fila do caixa, no mercadinho, o senhor na minha frente empacou. Esquecera a própria senha. Não conseguia passar o cartão para finalizar a compra. A fila se amontoou. O caixa era prestativo: saiu do seu posto, foi buscar um copo d'água pro senhorzinho e pediu que ficasse ali sentado, que ele - o caixa - tinha separado as compras e que, assim que o senhor lembrasse os números a transação seria completada.

O homem estava contrariado, nervosíssimo. Causar transtorno é chato, verdade. Mas, esquecer a própria senha? A traição que o próprio cérebro perpetra. Com quem se zangar? O que mais esperar?

Tive vontade de ir lá acalmá-lo. Falar: "Todo mundo esquece tudo, em algum momento". Não fui, fiquei sem-jeito. O pobre sujeito ia e vinha ao longo do balcão do caixa, feito um velho leão na jaula. Pensei: "Com que idade eu vou passar por isto? Com 60 anos? Com 80?"

Sempre tive orgulho da minha memória. Aprendia muito rápido textos e música e não esquecia. Hoje tomo um remédio para dor de cabeça que diminuiu a minha velocidade de apreensão de informações. Ou seja, já decoro com mais dificuldade do que antes.

É fato que em algum momento - espero que longínquo, mas certo - também vou atrasar alguma fila, tentando lembrar de algo absolutamente corriqueiro e que vai me parecer tão sorrateiro como uma barata.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Sagas

Desta vez foi com o Bob. A booker ligou para ele, um teste que era a sua cara. Hora marcada, no estúdio B da produtora X, em Heliópolis. Hein? Isso mesmo, no estúdio B, em Heliópolis.

O Bob é descolado, mora em São Paulo há dois anos, depois de uma temporada ralando em Paris e outra vivendo bem em Goiânia. Ainda não tem um carro. Como bom migrante, conhece os caminhos e as conduções melhor que os nativos (nunca pergunte um nome de rua para um paulistano). Mas Heliópolis... Onde fica, como chega? Qual o percentual de glamour possível de emular após duas horas de ônibus e lotação até este destino?

Diz ele que fez a barba, passou colônia, pôs uma camisa propositalmente amassada - moderna - e entrou no ônibus. Desceu na porta do estúdio cozido, sacudido, mas ainda cheiroso, quase duas horas depois. Reajustou o ar triunfante, atravessou a sala de espera e foi falar com a produtora de elenco.

- Oi, eu sou o Bob, meu teste é às quatro horas.
- Ah. Ok. Senta ali, eu já vou chamar, vai preenchendo a ficha.

Ajeitou-se no banco, procurando não encarar os poucos concorrentes que se esforçavam em não medí-lo de alto a baixo. Cruzou as pernas e tentou preencher o formulário sobre o dorso da coxa sem rasgar o papel.

Cinco minutos depois, ela chamou:
- Você é que é o Bob?
- Sim.
- Acho que teve uma confusão. Agora a gente vai gravar o ator barbudo.
- Mas às quatro horas sou eu.
- Tá aqui no schedule. Quatro em diante: barbudos. Você fez a barba?
- Ninguém me avisou.
- Ah, então: não podia.

São Paulo é um lugar com muita oferta. Testes pedem atores que cantem em inglês e espanhol, dancem balé clássico, jazz e sapateado e meçam pelo menos 1,68m (mulheres) e 1,78 (homens). E aparecem quatro dúzias de profissionais com este perfil para serem selecionados. Já peguei trabalho por causa de três centímetros de altura e já fui cortada em inúmeras seleções pelos mesmos frágeis motivos: vestido errado, cabelo errado, bonita demais (sim, já ouvi isto!!!), normal demais (também já ouvi esta, mais de uma vez!), jovem demais, velha demais.

Então não adiantou o Bob explicar que a barba dele cresceria, oportunamente, e que ele poderia fazer o teste assim mesmo e mostrar que é um ator bacana. E que o diretor poderia vê-lo em cena e imaginá-lo com barba. Sei lá. Algo assim, totalmente impensável.

Bob voltou para casa sem ter feito o teste. O bolso liso como sua cara: como não gravou, não pagaram cachê-teste.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

A Melhor Síntese

A mais perfeita descrição do gap entre gerações apareceu outro dia num episódio de Two and A Half Men. Charlie Harper (40) e seu sobrinho, Jake (10), estão assistindo DVD. A música-tema não deixa dúvidas: estão assistindo "Tubarão". A música cresce, indicando uma cena de grande tensão. Jake fala:
- Que filme estúpido.
- Isto é um clássico! - diz o tio Charlie, indignado
- Faz quarenta minutos que a gente tá assistindo isto e não apareceu esta droga de tubarão.
- Isto é criar suspense. Use a sua imaginação.
- Sabe o que eu estou imaginando? Um filme melhor que este. Por exemplo: Serpentes a Bordo. Você está num avião cheio de cobras! Cobras por todo o lado! Você abre sua mala e sai uma cobra! Isso sim.

Tio Charlie desliga o DVD.
.............

Isto só fez me lembrar da vez em que eu resolvi apresentar para um amigo, oito anos mais novo que eu, o filme mais aterrorizante que eu já vira - O Iluminado. Meu amigo dormiu.

sem esperanças


E aí eu fui ver o Linha de Passe. Cheia de vontade de gostar, por todos os motivos que expliquei abaixo, mais a fome de ver um filme com bons atores, um roteiro possivelmente bom, diretores provadamente competentes, essas coisas.


Credo. Cruzes. Não gostei nadinha. E quero explicar, antes de tudo, que os diretores são bons, os atores são excelentes e o roteiro é consistente. Eu apenas sofri com o que o filme argumenta - aliás, de modo muito eficiente, pois o filme consegue deprimir qualquer um.


Não consigo ver nenhum tipo de denúncia, apenas proselitismo, num filme que retrata piedosamente a vida de uma família de pobres cuja vida é duríssima, que não se ajudam, que vivem na ignorância e no alheamento (a mãe engravida compulsivamente, outro decide assaltar para pagar as contas, outro passa os dias fugido de casa, procurando o pai desconhecido, outro é crente, mas entra em crise com a religião) . O filme parece argumentar que não há saída, que vai sempre dar tudo errado, que não há um sentido, senão apenas viver (ou sobreviver) - daí o final sem fechamento, com todos em movimento. E me pedem muito: Querem que eu tenha compaixão do motoboy que assalta e sequestra para pagar a pensão da filha. Calma lá. Jura que esta é a única opção?


A única história realmente interessante, que provoca a fantasia do público, é a do filho que joga futebol e que está passando da idade para entrar nos times profissionais. Mas os diretores optaram por não se aprofundar nesta história, nem oferecer nenhuma esperança. Como se o desejo e o sonho individual estivessem fadados a serem esmagados pelo sistema, a sociedade, os playboys, os corruptos. Ah, não. Não, não...


Acredito que há muitas maneiras de se contribuir com a sociedade e com a discussão sobre a grande lacuna social. Não sei se olhar o pobre como uma vítima pura e não-passível de crítica e/ou responsabilidade é um caminho para algum lugar mais interessante.

boa vontade

Tenho muita vontade de gostar de filmes brasileiros. O desembaraço das legendas permite que eu veja melhor todo o quadro, ouça melhor a música, acompanhe a narrativa sem maiores filtros e obstáculos. E a língua, ah, que língua bonita. Não deixa de ter um gosto especial assistir uma história contada na nossa própria língua, com cenários reconhecíveis, rostos parecidos com os nossos. Às vezes a gente ri à toa, só de ver alguém parecido com um vizinho ou um tio.

Então a minha boa vontade está instalada. De resto, a minha exigência de público é a mesma: dêem-me uma história compreensível, inteligente, coerente e, de preferência, emocionante. Mas vamo aí, não tem muita receita, pode ser documentário ou comédia romântica.



Neste pique, fui assistir Os Desafinados, do Walter Lima Jr. Torci até o final pelo filme, mas não teve jeito, o bicho é fraquinho mesmo. O roteiro não se entende, os personagens são frágeis - digamos que sofrem de uma certa clareza existencial: até o final do filme eu não sabia o que eles estavam fazendo ali, nem o que eles queriam da vida. Quem resgata o filme da chatice absoluta são alguns bravos atores, a saber: Rodrigo Santoro, Claudia Abreu, Alessandra Negrini, aquele menino que fala engraçado - Selton Mello - e o ator que faz o baterista, André Moraes, que é um tipo carismático e em quem eu acreditei. A história não tem pé nem cabeça, apesar de se basear em várias passagens reais. O final apresenta um lapso temporal seriíssimo, que pelo jeito só teve importância para mim, pois fui a única que se incomodou com o fato de uma criança concebida nos anos 70 ter 20 anos em 2008. Mas dentro da fragilidade do filme, isto acaba mesmo tendo pouca importância. O mais complicado é que o filme falha em contar uma história compreensível e falha, portanto, em emocionar seu público, que era seu objetivo mais claro.