Nem se animem: não tenho estofo filosófico-intelectual para sustentar este raciocínio e ele vai acabar com "ah, eu sinto assim..."
Quando eu tinha lá os meus treze para quatorze anos, li a maravilhosa frase de
Oscar Wilde: "Toda arte é completamente inútil". Escorada neste conceito libertador, entendi que a funcionalidade da obra seria (ou não) atribuída muito mais tarde, mas que não cabia ao artista preocupar-se com isto.
Anos depois (só
alguns, vai) descobri que, realmente, enquanto Artista não cabia a mim ficar pensando no que iria resultar a minha criação. Mas, enquanto Produtora, eu me preocupava em como vender
o produto que esta Artista estava criando.
Então o processo artístico exige um pouco de descolamento, de esquizofrenia:"Agora eu não sei para o que isto vai servir, isto é problema...
meu! "
...
Para ficar quase no mesmo assunto: por que insistimos?
Há muitos anos, uma professora alemã me aconselhou duramente a deixar de cantar. Não que eu tivesse problemas vocais: ela só não via utilidade para mais uma soprano no mundo, sendo que eu não tinha nenhum recurso vocal excepcional que me destacasse na multidão. Aos prantos e mostrando os dentes (ah, os latinos...) eu fui atrás dela e disse: "Você não está entendendo?! Isto é o que eu faço!" E ela deu um sorrisinho: "
vielleicht (talvez)... with that attitude..." A vaca.
Talvez ela estivesse certa. O mundo é muito grande e é pequeno ao mesmo tempo. Marcar território, fincar uma bandeira e fazer os outros te reconhecerem como algo distinto, nada disto é simples. Mas insisto. E nem é porque as coisas deram supercerto para mim. Algumas coisas
deram muito certo. Mas às vezes não dão, mesmo. Ainda assim, não me ocorre fazer outra coisa, simplesmente porque
isto é o que eu faço. ...Na quinta passada, fui ao show da
Ithamara Koorax, aqui no SESC Vila Mariana. O show foi no auditório, o teatro menorzinho, com 80 lugares, e não estava lotado. A Ithamara Koorax é uma cantora com uma carreira brilhante no exterior, que já ganhou duas vezes a votação de melhor cantora de jazz do mundo da revista
Down Beat. Mas estava fazendo um show num teatro pequeno, para uma platéia de poucos bem-informados - o ingresso custava 12 reais.
No final do show, fui falar com ela, que estava muito feliz de voltar a cantar no Brasil. Comentei que era a primeira vez que conseguia assistí-la ao vivo e ela disse "É, é difícil tocar aqui. Mas o negócio é insistir sempre."