terça-feira, 23 de outubro de 2007

Sensacional boletim incrivelmente parcial da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo - parte dois



(título em português: A Era da Inocência),

de Denys Arcand (Canadá, 2007)


Denys Arcand é um artista eloquënte, com inteligência narrativa, bom-gosto e precisão nas imagens, edição, luz, escolha de elenco. Mas a sua matéria-prima, o que o leva a usar estas ferramentas, é o texto e, mais profundamente, sua necessidade de compartilhar sua visão humana.


Novamente, como em seus filmes mais conhecidos (O Declínio do Império Americano e As Invasões Bárbaras), o cineasta se utiliza de um paralelo entre um momento histórico arquetípico, vamos dizer assim, e a sociedade atual. No caso, o período escolhido para a comparação é a Idade Média - a Idade das Trevas do título original - uma época marcada pela mistificação, pela intolerância e pela alienação.


Corta para a vida cotidiana de Jean-Marc, um sujeito culto, inteligente e, em sua juventude, promissor, que vive alienado de si mesmo, massacrado pela rotina do seu casamento, pela relação com as filhas, pelo trabalho como funcionário público. Sua válvula de escape são os delírios onde ele obtém reconhecimento, sucesso, sexo e, às vezes, simplesmente algum afeto.


A sociedade retratada por Arcand é igualmente delirante - e, infelizmente, muito familiar. A a intolerância desumaniza . A obsessão regulamentar por formulários, procedimentos, padrões politicamente corretos e mistificações new-age alienam. A palavra que o protagonista busca, ao final do filme, para resumir o momento em que vive é "desintegração".


Denys Arcand é um humanista (um "pós-socialista", vamos falar assim) profundamente ferido e desapontado com o rumo que tomou a sociedade ocidental. No entanto, sua crença nas relações humanas permeia o sabor amargo de seu filme. Não há vida na alienação. Se voltarmos a nos ouvir e nos enxergar, voltaremos a viver.

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