sexta-feira, 15 de maio de 2009

a propósito da Nova Lei Rouanet

O INGRESSO DE TEATRO É BARATO

por Claudio Botelho*

Dentro de tudo o que tenho lido a respeito das novas proposições para a Lei Rouanet, incluídas aí as críticas e os apoios, uma questão me chama a atenção por estar sendo vendida como uma verdade absoluta, quando de fato é justamente o oposto: a questão do preço dos ingressos.
Os ingressos do teatro no Brasil são muito baratos. Não é verdade que nós cobramos ingressos caros para espetáculos que foram patrocinados com dinheiro público. Vou usar o exemplo da “Noviça rebelde”, espetáculo ao qual estou intimamente ligado e sobre o qual posso falar abertamente, para mostrar o quão distantes estamos de qualquer realidade competitiva praticando os preços que praticamos.

Nossa “Noviça” é, em tamanho do elenco, orquestra, técnicos e equipamentos de luz e som, exatamente do mesmo tamanho que o mesmo espetáculo montado recentemente em Londres, por exemplo. O ingresso mais caro lá é 60 libras, o que equivale a R$ 196.

O ingresso mais caro aqui é R$ 180 reais, e este preço se refere a pouquíssimos lugares no setor mais caro da plateia. Parece semelhante? Pois imagine se que um produtor de um espetáculo como este em Londres faz oito sessões semanais em teatros com pelo menos 1.500 assentos (no mínimo), enquanto que nós trabalhamos com no máximo seis sessões e em teatros cuja média de assentos geralmente não ultrapassa os 1.000 lugares, quando muito. (Não esquecer que aqui — e não lá — existe um descalabro que atende pelo nome de meia-entrada, ok?) Lembremo-nos ainda que este mesmo espetáculo em Londres fica, quando é sucesso, pelo menos três anos em cartaz — sendo que há os que ficam mais de uma década — enquanto nós consideramos um sucesso no Brasil qualquer peça que ultrapasse a barreira dos seis meses. O produtor de um espetáculo bastante similar ao nosso em Londres, Nova York ou qualquer cidade do primeiro mundo tem oportunidade de ver seus investimentos voltarem com prazos no mínimo cinco vezes mais largos que os nossos. Isso só para começar o paralelo.

A comparação não é boa? Por que não? Nós aqui pagamos os mesmos atores, músicos, bailarinos, técnicos, anúncios — ou alguém acha que um grande espetáculo de teatro como os grandes musicais é feito na base da camaradagem? Musical se faz com salários, não é uma ação entre amigos. Ninguém trabalha num musical pra ver o que vai dar na bilheteria e dividir igualmente os “lucros” depois. A folha de pagamentos da “Noviça rebelde” brasileira (que é apenas o meu exemplo) contempla mensalmente 75 profissionais, entre atores, músicos e técnicos, todos assalariados.

Apenas os grupos de produtores aos quais estou ligado profissionalmente mantêm em cartaz atualmente sete espetáculos de teatro no eixo Rio-São Paulo, empregando ao todo mais de 500 pessoas. Elas recebem o quê? Um agrado da produção? Um abraço, um beijo e uma permuta na pizzaria? Os direitos autorais de um grande espetáculo musical variam entre 11% e 15% da bilheteria.

Os teatros no Brasil cobram um aluguel geralmente de 25% da receita. Basta fazer a conta para entender que o que sobra para uma produção gerir seu negócio e pagar todo mundo é pouco mais de 60% da arrecadação. Agora, dá pra ouvir que nosso ingresso é caro e ficar calado? Ora, nós trabalhamos é no limite do impossível, isso sim! É uma ilusão achar que os patrocínios via Lei Rouanet conseguem arcar com os salários de toda essa gente. O patrocínio é fundamental para que se abra o pano e se coloquem em cena os grandes espetáculos, caso contrário os ingressos teriam que custar ainda cinco vezes mais do que custam, o que seria inviável para qualquer temporada.

Mas depois de estreado um grande espetáculo, a bilheteria é fundamental para mantê-lo funcionando. E grandes espetáculos só resistem em cena se houver mais de 70% da platéia lotada, caso contrário é fechar o pano e ir pra casa contar o prejuízo. Ninguém monta um grande musical pra se exibir para os amigos, os críticos, ganhar prêmios no fim do ano. Ou o público vem ou estamos fritos.

Ingressos mais baratos: eles existem. O preço que citei aqui é o do valor máximo, desconsiderando que a maior parte dos frequentadores de teatro no Brasil tem, sendo estudante ou idoso, 50% de desconto nos ingressos. A aberração da meia-entrada é assunto para outra discussão, mas fora isso, há ingressos em setores menos concorridos da plateia a preços muito mais em conta que os R$ 180 citados. E a famigerada carteirinha vale pra tudo isso.

O que importa é que, se queremos continuar a ter espetáculos de grande porte no país, temos de entender que eles custam caro. E a média de público de um espetáculo como a “Noviça rebelde” é, posso garantir, muito maior do que a maioria dos espetáculos “baratos” em cartaz nos grandes centros. O fato de ter um ingresso barato não garante a qualidade de um espetáculo.

Há peças a R$ 10 que não fazem nem dez pagantes em três sessões por semana. Agora, pensemos bem: alguém obrigou 200 mil pessoas a assistirem a “Noviça rebelde” até agora? Ou foi uma opção pessoal de cada um ir lá e pagar o ingresso “caro”? Não há a menor possibilidade de continuarmos a ter grandes musicais no Brasil se pensarmos em baixar os preços dos ingressos. Sugerir que nossos preços são altos é o mesmo que sugerir que um restaurante cinco estrelas não deva cobrar o que cobra por um prato de risoto. Ou que lojas de shopping não cobrem R$ 500 por um jeans rasgado. Cada um vai ao restaurante que quer e compra o jeans que quiser, há escolhas e, que maravilha!, vivemos no Brasil e não na Venezuela.

O patrocínio e a subvenção são apenas o start necessário para que um grande espetáculo consiga ganhar a cena. Imaginar que podemos fazer o que fazemos, empregar as multidões de artistas e técnicos que empregamos de verdade, com salários e condições dignas de trabalho — sem patrocínio e cobrando preço de arquibancada de futebol é debochar do nosso ofício. Ou ainda — como parece ser a nova “onda” das reformulações na Rouanet — sugerir que as faixas de renúncia fiscal para as empresas que patrocinam o teatro sejam algo menor que os 100% de hoje em dia é decretar definitivamente que o teatro brasileiro voltará a existir em suas velhas três sessões por semana, um paninho pendurado no fundo do cenário, um refletor e um ator dizendo poemas em cena. Tudo isso é lindo, digno, culto e tem elevados méritos artísticos — mas para onde vão os nossos 400 assalariados? E pra onde vai o público de 200 mil pessoas que veio nos assistir só na “Noviça rebelde” —, para uma locadora de vídeo?

Claudio Botelho

* Artigo publicado no Jornal O Globo em 13/05/09.

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