Juliana pegou outra gravação difícil: é às cinco da manhã, no depósito de um hipermercado da Zona Norte, sem aquecimento, numa semana em que o outono resolveu falar alto em São Paulo. Para piorar, não tem camarim: os atores tentam se arrumar dentro de um banheiro usado pelo pessoal da manutenção. O pessoal da manutenção, por sua vez, nunca se divertiu tanto.
A gravação é para um vídeo interno de treinamento, dirigido apenas aos funcionários de uma empresa. Na prática, isto quer dizer que o cachê é significativamente mais baixo, uma vez que a paga de um trabalho é proporcional à sua praça de veiculação. Se um comercial de veiculação nacional paga uns sete mil reais para um ator, hoje (em média), um vídeo de treinamento paga...
- Cento e cinqüenta reais?! – Juliana, indignada.
- Se você der nota – explicou a agente, ao telefone, quando passava o trabalho para a atriz – Caso contrário eu preciso descontar mais 13%.
- Caramba... – Juliana, conformada. – Eu arranjo uma nota. Mas vê se você vai atrás daquele pagamento meu que está atrasado!
- O que é que eu não faço por você, amor?
A ligação foi cortada, deixando Juliana com várias alternativas de resposta. Dezoito horas depois, ela está batendo os dentes ao lado de um display de produtos de limpeza, enquanto a diretora do vídeo mede a luz da gôndola e o reflexo das garrafas de sabão em pó líquido na sua pele.
- Ela está com olheiras. E o cabelo precisa prender.
Volta para a maquiagem. Dentro do quarto de vassouras, acocora-se com um secador e uma escova, enquanto repete: “Cento e cinqüenta reais”. “Cento e cinqüenta reais”.
- É um luxo ter alguém como você nesta gravação!
A diretora está sorrindo. Gostou de todos os takes, gostou do humor, gostou, principalmente, de não ter que repetir nada. Juliana aceita o elogio, com um aceno de cabeça.
- Vamos trabalhar mais juntas! – a diretora diz, entusiasmada. Juliana sorri de volta, querendo dizer “claro que sim”. A diretora continua:
- E se você estiver precisando de um trabalhinho, me fale.
- Bem, na verdade – Juliana entrega, abrindo os braços ao redor – eu estou precisando, sim. Estou aqui, fazendo este trabalho por cento e cinqüenta reais, porque estou precisando muito.
- Ah, pode deixar!
A diretora abre a carteira e Juliana sente uma onda enorme de vergonha. “Ela vai me dar dinheiro?” Tem vontade de falar, de impedi-la, mas está paralisada. Por fim, a mulher encontra um cartão, tira-o da carteira e mostra-o, como um amuleto:
- Aqui – ela sacode o cartão – você vai ligar para este número. Anote aí.
Juliana anota o número, com o coração aos pulos. A diretora continua:
- O nome da pessoa é Dalva. Fala que fui eu que te indiquei. A consulta custa cem reais. Ela abre todos os caminhos.
Hein?
- Estou falando sério – a diretora continua, diante da cara incrédula da atriz - Quando eu saio de uma sessão da Dalva, no portão o meu telefone já começa a tocar. Pense nisto como um investimento. E guarde este número!
- Obrigada – é o que Juliana consegue murmurar.
- De nada! Gostei de você!
Na van, de volta para casa, Juliana olha para o número gravado no celular. Os cento e cinqüenta reais da gravação vão cair no mês que vem, mediante entrega da nota fiscal. Dalva não abrirá seus caminhos.
sexta-feira, 15 de maio de 2009
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Um comentário:
ai, que!
=/
e é assim a tal vida de artista,
estrela, só mesmo A Dalva...
n.
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