terça-feira, 4 de novembro de 2008

a arte é para quê?

Nem se animem: não tenho estofo filosófico-intelectual para sustentar este raciocínio e ele vai acabar com "ah, eu sinto assim..."

Quando eu tinha lá os meus treze para quatorze anos, li a maravilhosa frase de Oscar Wilde: "Toda arte é completamente inútil". Escorada neste conceito libertador, entendi que a funcionalidade da obra seria (ou não) atribuída muito mais tarde, mas que não cabia ao artista preocupar-se com isto.

Anos depois (só alguns, vai) descobri que, realmente, enquanto Artista não cabia a mim ficar pensando no que iria resultar a minha criação. Mas, enquanto Produtora, eu me preocupava em como vender o produto que esta Artista estava criando.

Então o processo artístico exige um pouco de descolamento, de esquizofrenia:"Agora eu não sei para o que isto vai servir, isto é problema... meu! "

...

Para ficar quase no mesmo assunto: por que insistimos?

Há muitos anos, uma professora alemã me aconselhou duramente a deixar de cantar. Não que eu tivesse problemas vocais: ela só não via utilidade para mais uma soprano no mundo, sendo que eu não tinha nenhum recurso vocal excepcional que me destacasse na multidão. Aos prantos e mostrando os dentes (ah, os latinos...) eu fui atrás dela e disse: "Você não está entendendo?! Isto é o que eu faço!" E ela deu um sorrisinho: "vielleicht (talvez)... with that attitude..."

A vaca.

Talvez ela estivesse certa. O mundo é muito grande e é pequeno ao mesmo tempo. Marcar território, fincar uma bandeira e fazer os outros te reconhecerem como algo distinto, nada disto é simples. Mas insisto. E nem é porque as coisas deram supercerto para mim. Algumas coisas deram muito certo. Mas às vezes não dão, mesmo. Ainda assim, não me ocorre fazer outra coisa, simplesmente porque isto é o que eu faço.
...

Na quinta passada, fui ao show da Ithamara Koorax, aqui no SESC Vila Mariana. O show foi no auditório, o teatro menorzinho, com 80 lugares, e não estava lotado. A Ithamara Koorax é uma cantora com uma carreira brilhante no exterior, que já ganhou duas vezes a votação de melhor cantora de jazz do mundo da revista Down Beat. Mas estava fazendo um show num teatro pequeno, para uma platéia de poucos bem-informados - o ingresso custava 12 reais.

No final do show, fui falar com ela, que estava muito feliz de voltar a cantar no Brasil. Comentei que era a primeira vez que conseguia assistí-la ao vivo e ela disse "É, é difícil tocar aqui. Mas o negócio é insistir sempre."

6 comentários:

st denis disse...

Citando as meninas da campina grande da paraíba, a pessoa é para o que nasce. Entre a motivação - q é o estopim pra cair na estrada; e o resultado - que é chegar chegar chegar sempre num lugar outro - há um espaço immmmenso de tempo, o processo. Cuja nutrição essencial é a disciplina e a fidelidade. Vc a materialização de isto.
Com admiração.
(a)Uma fã.

ethan edwards disse...

Se bem entendi, você não canta para ganhar dinheiro, nem para ficar famosa, nem para conquistar uma identidade, nem para servir a uma força estranha (Caetano Veloso), nem para fazer tudo aquilo que diz Godofredo Guedes ("Cantar"). Cantar "é o que você faz". Sorte sua. E, cá entre nós, se você já tem a enorme sorte de cantar porque é disso que você gosta e é isso que você sabe fazer, que importância tem saber se isso é arte e se a arte serve para alguma coisa?

Anna Toledo disse...

Eu sabia que eu ia me ferrar com esta postagem, ahahaha. Mr. Edwards, pois é, eu não sei bem se é isto mesmo, só sei que eu sinto assim...

st denis disse...

Arte & Força estranha. Taí uma relação muito a ver.

Denny Naka disse...

"Quem Canta os Males espanta!" Desculpe meu nível intelectual só me permitiu elaborar essa frase!

thais cavalcanti disse...

quando eu crescer, quero ser que nem você. juro.